O Bem Amado

agosto 5, 2010 at 12:49 am 17 comentários

Num ano eleitoral, a estreia de um filme como “O Bem Amado” é muito importante. Baseado nas obras teatral e televisiva escritas por Dias Gomes, o filme faz uma crítica direta ao coronelismo, ao chamado curral eleitoral, ao voto de cabresto. Neste sentido, a colocação da trama em uma cidade do interior da região Nordeste é perfeita, uma vez que tais práticas são típicas de localidades como a fictícia Sucupira. Uma figura como a de Odorico Paraguaçú existe em abundância em locais assim. 

Sucupira é uma cidade que vive um verdadeiro turbilhão no seu cenário político. São crimes com motivações políticas e a consequente disputa de poder entre o partido da situação e o da oposição. Os dois vértices políticos da cidade – além do já citado Odorico Paraguaçú (Marco Nanini), temos o jornalista e comunista Vladimir (Tonico Pereira) – jogam com a emoção de seus eleitores, numa tentativa de atualização da chamada política do pão e circo – com direito a presença de claques, de frases de efeito e da natural babação dirigida às figuras públicas. 

Neste cenário, Odorico Paraguaçú se elege prefeito da cidade de Sucupira tendo como maior proposta de campanha o “construimento” do cemitério da localidade. A tal promessa pode significar o céu ou o inferno para o prefeito – e é a este tipo de desdobramento que o roteiro escrito por Guel Arraes e Claudio Paiva irá se ater. A dupla ainda liga o que acontece internamente em Sucupira ao cenário político nacional naquela época, de forma a nos fazer perceber que o Brasil é uma grande Sucupira e devemos, sim, prestar atenção às nossas figuras públicas, ainda mais porque a nossa responsabilidade dentro do Estado democrático em que vivemos é enorme. Somos os donos do futuro do nosso país, do nosso Estado, da nossa cidade. 

Se tem algo que incomoda em “O Bem Amado”, especialmente para aqueles que tiveram a chance de conferir a novela escrita por Dias Gomes, foi a descaracterização total de personagens como as Irmãs Cajazeiras (Andréa Beltrão, Zezé Polessa e Drica Moraes). Elas deixaram de ser as correligionárias maiores de Odorico para se transformarem em marionetes de um jogo amoroso com o prefeito. A abordagem das tramas românticas, aliás, é o maior problema de “O Bem Amado”. O romance entre Neco (Caio Blat) e Violeta (Maria Flor) está totalmente solto no roteiro, sem muita relação com a ação principal. 

Também não dá muito para entender o visual adotado pelo diretor Guel Arraes. Ele é um especialista em tramas regionalistas e sabe como ninguém retratar o mundo interiorano. Porém, aqui, ele deixa de lado uma abordagem mais clássica (para não dizer televisiva) e tenta dar modernidade a uma trama que, de fato, é atemporal. Mas, não dá para ver “O Bem Amado” com tantas cores berrantes e intensas. Mesmo com Odorico Paraguaçú e as Irmãs Cajazeiras sendo personagens bem espalhafatosos. Mas, o tom adotado aqui foi muito exagerado. 

Cotação: 6,5

O Bem Amado (2010)
Direção: Guel Arraes
Roteiro: Guel Arraes e Cláudio Paiva (com base na obra de Dias Gomes)
Elenco: Matheus Nachtergaele, Andréa Beltrão, José Wilker, Caio Blat, Bruno Garcia, Maria Flor, Marco Nanini, Zezé Polessa, Drica Moraes 

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  • 2. Robson Saldanha  |  agosto 5, 2010 às 1:19 am

    Olha eu gostei um pouquinho mais tanto que dei 7,5. Mas não posso deixar de concordar com tudo que falou e é interessante esse destalhe das irmãs cajazeiras, o qual eu nem sabia!

    Ainda assim é um bom divertimento, né? =)

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  • 3. Amanda Aouad  |  agosto 5, 2010 às 1:19 am

    É, tudo é farsesco ao extremo, por isso me incomodou tanto a interpretação caricata do Nanini. Mas, eu gostei do filme. A descaracterização das irmãs Cajazeiras não me incomodou tanto. Acho que Dias Gomes não explorou mais o romance dos quatro na época por causa da censura. Agora Maria Flor e Caio Blat é mesmo totalmente sem sentido. E achei interessante o link com a ditadura.

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    • 4. Kamila  |  agosto 5, 2010 às 1:42 am

      Robson, esse detalhe só lembra quem assistiu à novela como eu! rsrsrsrs Mas, é sim, um bom divertimento.

      Amanda, o Nanini está caricato, mas isso nem me incomodou. Eu gostei do filme, me diverti, mas queria que ele tivesse sido mais fiel ao material original.

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  • 5. Cristiano Contreiras  |  agosto 5, 2010 às 1:55 am

    Confesso que nunca fui “chegado” nem na novela e série original…
    Não me senti atraído por essa releitura…e só pelo trailer já achei tudo muito caricato, exagerado e gritante…Nanini é ótimo ator, mas nos últimos anos tem adotado uma interpretação mais teatral demais, às vezes não se adequa ao filme ou a série que atua…ou ao papel que faz, enfim.
    Esse filme eu nem quero ver…depois, eu vejo, rs.

    Beijo

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  • 6. Thyago  |  agosto 5, 2010 às 2:55 am

    A proposta do filme é ser bem caricato mesmo com a política, pena que isto só se reflete no prefeito Odorico e no seu opositor Vladimir. Claro, vale destacar o papel do Zeca Diabo, que ficou ótima também… mas o romancezinho da filha do Odorico com o outro cara é tão sem importância que até esqueci o nome dos dois personagens. Sério, pra quê gastar tempo naquilo?

    Quanto às irmãs cajazeiras, acho que gostei delas mais por não ter visto a obra original.

    Mas eu me matava de rir com o Odorico, nossa, cada frase dele valia uma MINA DE OURO, hahahahahaha

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  • 7. Reinaldo Matheus Glioche  |  agosto 5, 2010 às 12:39 pm

    Apesar de uma bela crítica, muito bem fundamentada (como sempre), sou obrigado a discordar de vc em um ponto. O que vc alega te incomodar na fita, para mim, se não chega a ser trunfo, tão pouco incomoda. Enxergo como “etapas vencidas” na transição do texto e da ambientação para o cinema.

    Beijos

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    • 8. Kamila  |  agosto 6, 2010 às 12:54 am

      Cristiano, as suas impressões sobre “O Bem Amado” são bem certeiras. Só discordo de seus comentários sobre o Marco Nanini. Beijo!

      Thyago, eu achei o Zeca Diabo bem mal utilizado e também me acabei de rir com o Odorico.

      Reinaldo, obrigada! E seu pensamento faz sentido, até porque uma adaptação cinematográfica tem que lançar seu próprio olhar, um olhar independente sobre o material na qual se baseia.

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  • 9. Vulgo Dudu  |  agosto 5, 2010 às 2:17 pm

    Não vi o filme, e acho difícil que veja nos cinemas. Adoro as obras do Dias Gomes, mas acho que ele sempre foi meio incompreendido. O mote de suas tramas, político, sempre ficou em segundo plano nas adaptações que fazia. Odorico é um político legitimamente brasileiro, um escárnio ao sistema. Sempre que globais fazem cinema, fica essa coisa meio série filmada… Não levo fé.

    Bjs!

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    • 10. Kamila  |  agosto 6, 2010 às 12:55 am

      Dudu, não acho que o Dias Gomes tenha sido alguém incompreendido. Pelo contrário, as obras dele sempre tiveram uma ressonância muito grande. Mas, é fato que poucos, talvez, entenderiam as críticas existentes nas obras dele. Beijos!

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  • 11. Mari  |  agosto 6, 2010 às 1:26 am

    poxa, eu gosto das cores berrantes, mas talvez seja porque não vi a original. concordo com o resto. 🙂

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  • 12. Paulo Ricardo  |  agosto 6, 2010 às 3:02 am

    Não estou animado em ver esse filme.Tem cara de minisérie da Globo,e li criticas sobre a atuação “estridente” de Marco Nanini.Esse filme não deixo nem pra ver em DVD.bj.

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    • 13. Kamila  |  agosto 6, 2010 às 1:14 pm

      Mari, eu não gostei das cores berrantes, porque acho que a trama já é bem exagerada, aí, o diretor coloca tudo berrante, fica exagerado demais! 🙂

      Paulo Ricardo, este filme tem a cara do Guel Arraes, é isso… Beijo!

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  • 14. Luis Galvão  |  agosto 6, 2010 às 2:14 pm

    Concordo plenamente com você e fui surpreendido pelo Guel (que já tinha retradado muito bem os interiores do nordeste – Lisbela e O Auto são belos exemplos sem exageros), mas Sucupira (que é alias, uma bairro daqui de recife, rsrsrsx) ficou totalmente descaracterizada. Os personagens esteriotipados e o roteiro tão ágil ao ponto de não entender várias passagens. Vamos esperar que Roque Santeiro (que também vai ser adptado) tenha um pouco da essência principal da novela que deu origem.

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  • 15. Vinícius P.  |  agosto 6, 2010 às 4:53 pm

    Se há alguém perfeito para dirigir esse tipo de produção, é mesmo o Guel Arraes, mas até agora só ouvi elogios mornos a respeito do longa.

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    • 16. Kamila  |  agosto 6, 2010 às 11:03 pm

      Luís, olha, não sabia que Sucupira era um bairro de Recife. Concordo sobre a descaracterização e fico com a mesma esperança em relação à “Roque Santeiro”.

      Vinícius, e o filme é morno mesmo.

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  • 17. MaDame Lumière  |  agosto 11, 2010 às 1:49 am

    Este filme me fez dar risadas, mesmo que achei um pouco caricata a interpretação de Nanini e o longa-metragem com a herança televisiva das miniséries da Globo, mas o que importa para mim é saber que Dias Gomes e seus roteiros para a TV sempre foram muito bons tendo criado grandes personagens em Roque Santeiro, O Pagador de promessas e O Bem Amado, então vejo este filme como uma boa homenagem a este ícone da teledramaturgia Brasileira. bjs!

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A autora

Kamila tem 29 anos, é cinéfila, leitora voraz, escuta muita música e é vidrada em seriados de TV, além de shows de premiações.

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